Hoje estou meio quezilenta e apetece-me disparar em todas
as direcções. Tudo porque – para além dos acontecimentos do dia - estive também a ver a Alemanha a jogar contra
a França no Mundial de Futebol Feminino e lembrei-me de ter lido que a FIFA
decidiu, unilateralmente, testar piso sintético neste campeonato; não fazendo a
mesma experiência – que espanto! – em nenhuma das grandes competições
masculinas, actuais ou futuras.
É claro que a questão, aqui, vai muito para além do piso
do estádio. É discriminação de género pura e dura. É dizer a estas mulheres que
o jogo delas é de segunda classe. É dizer-lhes que são inferiores. É
mostrar-lhes que não merecem melhor. É negar-lhes poder.
E quando lhes negam poder não o fazem apenas apenas a
vinte e uma jogadoras em campo, fazem-no a todas nós; sobretudo a quem precisa
de bons exemplos para se auto-determinar.
A beleza do futebol feminino, ou de qualquer outro
desporto em que as mulheres participem, ultrapassa o mero espectáculo e a mera
curiosidade. Hoje, enquanto via o jogo e me divertia com ele, enquanto
reconhecia a grande qualidade do mesmo e resmungava entre dentes “tomara muito
gajo”; quis pensar que, em qualquer canto deste mundo estranho e tão injusto,
uma menina assistiu ao mesmo jogo – ou ouviu falar dele - e percebeu que também
ela pode chegar ali: aos quartos de final de um campeonato do mundo. Ou à sala
de aulas de uma universidade. Ou a um trabalho que lhe permita ser
independente. Percebeu que não deve existir nada a impedi-la de tentar e que se
houver, tem o direito de ultrapassar todo e qualquer obstáculo que se
interponha no seu caminho.
Assistir a um jogo em que mulheres desafiam os seus
limites e são reconhecidas pelo seu valor, em que se mostram ao mundo com toda
a sua plenitude e força, com orgulho e determinação, pode ser uma epifania.
Pode ser o motor que leva a uma mudança radical de paradigma, mesmo que essa
mudança comece por ser, apenas, interna. Às vezes é o que basta. Na verdade é
por aí que tudo começa.
Quando a Fifa – e não só – se lembra de fazer coisas
destas está a retirar direitos e a descartar-se dos seus deveres. Está a
revelar que o preconceito contra as mulheres está ainda muito enraizado na
nossa sociedade e que não é “atributo” exclusivo dos menos educados mas também,
o que é mais perigoso, de quem deveria saber mais e melhor. Está a revelar que
as instituições não oferecerem segurança nem estão preocupadas com isso.
Se homens e mulheres jogam o mesmo jogo, as condições têm
de ser exactamente as mesmas. Ponto final! Quem tem o poder nas mãos, deveria
pensar muito bem nas consequências da sua aplicação e nas mensagens que passa.
É que, às vezes, por elas não serem evidentes, ferem mais. Porque não era
suposto ser assim. Porque era suposto já não ser assim.