Às vezes somos nós quem coloca o bicho na
cabeça dos outros. Somos nós quem parte do principio que A ou B vai ter
dificuldade em aceitar e/ou compreender a nossa sexualidade e a forma como a
expressamos. E faço esta observação porque foi o que me ocorreu, depois de uma
conversa com o G. – meu colega de trabalho e também gay – em que ele dizia que
a maior luta que ainda tinhamos a travar era a da visibilidade. Claro que
concordo com ele. É um facto assente. Mas, por experiência própria, sei também
que muitas vezes confiamos pouco na capacidade de entendimento do outro.
Fazêmo-lo por um instinto básico de auto-protecção e é uma atitude normal mas,
às vezes, somos surpreendidos, apanhados na teia do nosso próprio preconceito.
Porque também os temos...
Há três anos mudámos para a casa onde estamos
hoje. Soubemos dela através de uma amiga e como se encaixava dentro daquilo que
andávamos à procura – ser perto do trabalho e de acordo com o nosso orçamento –
viemos de armas e bagagens viver na parte de cima da casa de duas “vélhinhas”
de 82 e 84 anos respectivamente. Dada a idade das senhoras achámos por bem que
teríamos de ter cuidado com demonstrações públicas de afecto. Não as
conhecíamos bem e não queríamos incorrer no risco de as ofender. A sua idade merecia
certa reverência e estávamos dispostas a isso; a respeita-las da mesmo forma
que gostaríamos que nos respeitassem. Com candura.
Poucos dias depois de termos mudado e ainda
com a casa virada do avesso e cheia de caixas e tralha a “vélhinha senhoria” pediu-nos
para descermos à casa dela para vermos se nos interessava um sofá que ela tinha
e podia dispensar. Não nos interessava mas ficámos a conversar um pouco com
ela. A meio da conversa diz-nos:
- Ai, eu tenho que vos perguntar um coisa.
Deixámo-la à vontade para perguntar,
convictas de que seria algum assunto relacionado com a casa, o aluguer ou a
partilha das contas de luz e água mas nunca aquilo que ela, frontalmente, sem
papas na língua, nos perguntou.
- Vocês estão bem assim, são felizes sem um homem?
– quis saber. Ficámos sem fala, de boca aberta. Olhámos uma para a outra, com
uma vontade imensa de rir, encolhemos os ombros e respondemos:
- Sim, Dona Ana, somos muito felizes sem
homem.
- Então está bem – conclui ela – Se são
felizes é o que importa. É o que se quer.
A nossa amiga deve ter-se descaído com algum
comentário quando lhe disse que tinha duas pessoas interessadas na casa. Sempre
nos esquecemos de lhe perguntar. Ou então a nossa senhoria, inteligente como é,
uma vez que só tínhamos um cama, o que significava que dormíamos juntas; chegou
às conclusões óbvias ou, pelo menos, à suspeita. E curiosa como também é, fez
uma pergunta honesta que mereceu uma resposta honesta. E nós, que achávamos que
por elas serem octagenárias tinham uma mentalidade retrógrada, levámos uma bela
bofetada de luva branca. Não existia nenhum bicho na cabeça delas, apenas na
nossa.
Agora, de uma forma bastante peculiar,
somos uma big happy familly. Elas são as
“nossas meninas” e nós somos as delas. E isto ensinou-nos a ter um pouco de fé
no outro e na sua capacidade de entendimento. Mesmo que, às vezes, leve o seu
tempo a manifestar-se.
Grosso modo as surpresas - as boas - acontecem onde e quando não
as esperamos.
Que história tão gira. E olha as senhoras por acaso não dormem na mesma cama, não? :D
ResponderEliminarLOL! Não, cada uma tem o seu quarto. Mas como são primas pode ser como o ditado... "quanto mais prima mais se lhe arrima..." :) Nunca se sabe...
Eliminar"Se são felizes é o que importa". Opá, que senhoras tão simpáticas! :)
ResponderEliminarSão uma delicia. E quando dão para implicar uma com a outra... ui... lol
EliminarComo compreendo esse instinto básico de auto proteção!
ResponderEliminarSei que a visibilidade é o caminho, mas não é fácil, a implicação profissional pode ser demasiado difícil de suportar...
O "bicho" pode não estar na cabeça de muitos, mas os "poucos" podem implicar muito, ainda para mais quando se vive à "micro escala"e se trabalha com tanta gente.
...
Tão bom que todos fossem como as vossas "meninas"!
Abraço
Sim, claro que é complicado e infelizmente, às vezes, poucos fazem mais dano do que muitos. Daí que estejamos sempre de pé atrás. No nosso caso temos a sorte de podermos usufruir de um certo anonimato que o Porto, sendo grande, permite e eu tenho a sorte de trabalhar com pessoas de quem não preciso esconder-me para me proteger e por quem, de certa forma, me sinto protegida. E sei que esta não é norma. Infelizmente não é a norma. Certamente que agiria de forma diferente fossem as circunstâncias também diferentes.
EliminarMas é bom quando acontecem estas surpresas. Dão-nos esperança.
Abraços!
Que giro :) E sim, concordo que também temos a nossa quota parte de culpa nesta história toda.
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