Nem
por isso estive interessada no Festival da Eurovisão mas como lá
fui parar depois de muito zapping acabei por ficar a ver as atuações
finais. Não fiquei muito surpreendida quando ganhou a Conchita mas
confesso que – gostos musicais e opções artísticas à parte –
fiquei satisfeita com o resultado; sobretudo porque, se servir de
amostra, representa uma Europa tolerante e inclusiva. Com Portugal
incluído.
Claro
que depois estraguei tudo e fui ler os comentários às notícias
que, entretanto, foram aparecendo no facebook. É óbvio que sabia ao
que ia mas, ainda assim, foi pior do que esperava. Não pelos
comentários parvos a tentarem ser engraçadinhos nem pelos
declamadores da Bíblia nem pelos defensores de um mundo a preto e
branco eternamente a chafurdar na lama da tradição e dos bons
costumes mas pelo preconceito dentro da comunidade LGBT. E é sempre
esse, mais do que qualquer outro, aquele que mais me choca.
Comentava
por lá certa cidadã que a personagem Conchita não dignificava a
comunidade e que era, na verdade, promotora de mais antagonismo. Que
não nos representava, que nem sequer representava a comunidade Trans
(que nem por isso representa porque é Drag) , porque não definia
perante o mundo – de uma forma que ele entendesse – aquilo que é:
o género com que se identifica, a etiqueta com que se cataloga, o
gueto para onde se empurra. Que, no fundo, interpretando livremente
as suas palavras, era, para nós, publicidade negativa.
E
isto faz-me imensa confusão. O preconceito entre os que são alvo de
preconceito é uma ideia que nega à partida toda e qualquer
formulação de um pensamento lógico e racional. Pelo menos, para
mim e sobretudo quando acho que a personagem Conchita extrapola a
questão da identidade sexual e de género e assenta, sobretudo, no
direito a ser. Na liberdade de ser.
A
Conchita permite muitas leituras e fá-lo intencionalmente. É uma
construção inteligente e absurdamente simples mas que, ainda assim,
parece não se entender. É uma caricatura mas está tudo lá, mesmo
na escolha do nome. É a interpretação de um mundo em que as
fronteiras se desvanecem e os horizontes se alargam; onde o que é
branco já não é apenas branco – é isso e outra coisa qualquer.
A Conchita é a Conchita é a Conchita... ou não. É aquilo que lhe
der na real gana. E ninguém tem nada a ver com isso.
Dizer
que a Conchita não tem lugar na comunidade é negar a própria
comunidade. A Conchita é uma declaração de princípios e não se
ser capaz de reconhecer a posição que toma e a mensagem que
transmite é ignorar, pura e simplesmente, toda a história da luta
pelos direitos Humanos e LGBT e não ser consciente do tanto que
custou e ainda custa a quem por eles dá a cara e a vida.
Se
reclamamos respeito e igualdade com que legitimidade nos outorgamos o
direito de apontar o dedo e dizer “tu és menos do que eu”. És
menos gay do que eu, és menos trans do que eu, és menos lésbica do
que eu. Menos butch, menos femme, menos macho. És menos puro.
Podemos
gostar ou não da interpretação da Conchita, podemos gostar ou não
da imagem que decidiu apresentar mas temos que lhe permitir
expressar-se. E temos que a apoiar nas suas escolhas, proteger-lhe a
retaguarda, dar-lhe um espaço onde ela possa existir abertamente sem
ser julgada na sua essência. Para mim a comunidade é isto. Existe
para isto. Para nos mantermos de pé como iguais e para nos erguermos
exuberantes nos ombros das nossas diferenças. A comunidade é cor e
ritmo mas é, sobretudo, aceitação e respeito. Se perdemos isso
então perdemos tudo.
Carla, parabéns pelo belíssimo texto com que nos presenteias a todos. Sim a discriminação é tanta e de tantas e variadíssimas ordens que até arrepia. Disseste tudo na doze certa. De nada adianta querermos uma aceitação que não estamos dispostos a dar aos outros. E falo de TODOS os outros. O preconceito é isso mesmo: profundo medo e desconhecimento do outro. Dá vontade de dizer: pede aceitação aos outros, apenas e só quando estiveres disposto a dar essa mesma aceitação. Bj
ResponderEliminarObrigada. :)
EliminarTrata os outros como queres ser tratado e o mundo seria um lugar um bocadinho melhor.
Vim ler que é a famosa Conchita e heis que saio deveras esclarecida! Excelente post e tristes aqueles que se metem na vida dos outros em vez de olharem para as suas vidas miseráveis recheadas de ditaduras interiores.
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