Excalibur

9 de outubro de 2014

Ó pá... mas esta tudo maluco? Está tudo doido? Tenho imensa pena de que tenham abatido o cão e questiono-me se não haveria outra coisa que pudesse ter sido feita – pôr o cão de quarentena, fazer-lhe exames... whatever – mas se as autoridades competentes, que têm um outro nível de conhecimento sobre o que se está a passar, decidem que o melhor é abater o cão então abate-se o cão. Temos muita pena mas, em caso de dúvida e havendo tantas dúvidas sobre como se processa o contágio entre pessoas e animais e vice-versa, corre-se o menor risco possível e abate-se o cão. Custa? Dói? Custa e dói mas a saúde pública é uma coisa com que não se pode brincar. Espanha aprendeu isso da pior maneira possível.

Mas não é isto que me chateia.

Entendo a emoção que este caso provoca e entendo que os defensores dos animais se tenham insurgido. É natural. É mais natural ainda que entre os que se resignam com o abate e os que estão contra não exista consenso. O que me chateia é este alvoroço todo em torno do abate do cão quando a questão mais pertinente passa completamente ao lado dos que se digladiam nas redes sociais. Há pessoas a morrer. Repito. Há pessoas a morrer. Em África. Morreram já milhares de pessoas e ninguém - ninguém - dos que se indignam com o abate do animal, acrescentou uma frase aos seus comentários para dizer: “e é preciso mandar ajuda urgente e eficaz para África. É preciso ir ajudar aquela gente. Se o cão morreu em vão, então que se evitem outras mortes...” Ninguém.

Isto chateia-me. Solenemente.


Não é que as vidas tenham um valor diferente, toda a vida tem valor e deve ser preservada, mas fico muito preocupada quando a morte de um animal mobiliza e incendeia a consciência das pessoas enquanto a morte de mais de três mil seres humanos lhes é manifestamente indiferente. Parte disto explica-se com a questão da proximidade, o cão estava aqui ao lado... mas o mundo, hoje, é todo aqui ao lado pelo que não há muito por onde justificar isto. O que há é uma atroz falta de bom senso. 

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11 Responses to “Excalibur”

  1. Obrigada por este texto! Juro que era para ter escrito o mesmo, ou ir ainda mais a fundo, mas depois caia-me tudo em cima e eu hoje não me apetece muito entrar em discussões. Obrigada, a sério!

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  2. Não concordei com o abate do animal sem que houvesse uma certeza de que estaria contaminado. Se não o fariam em todo o caso com um ser humano, porque o fariam com um animal? Porque é um animal? Temos de ver alguns aspectos muito importantes quando se trata de animais: Eles não falam; Não se defendem uns aos outros...para isso servimos nós. Para os defender quando há quem os trate como seres "menos importantes" que um ser humano- porque um cão ao ser abatido sem se saber se tem, de facto, um virus mortal, é atribuir-lhe menos importância ao condená-lo imediatamente à morte. Compreenderia, apesar de não concordar, se o fizessem após uma confirmação mas assim...não.
    Não concordei com o circo que se montou, é certo, achei que não em mudaria nada caso as autoridades espanholas decidissem o que decidiram, a abordagem foi errada, sim, mas o caso também era extremo e, como dizes bem, exacerba as emoções.
    No entanto penso que as associações de defesa dos animais devem sempre defender os seres que se propôem a defender...afinal de contas é esse o papel delas.
    Dito isto, e apesar de gostar muito de animais, percebo o teu ponto de vista e claro que concordo quando dizes que tem de haver mais preocupação com as vidas (humanas) perdidas e as que ainda se perderão, e tem de haver mais ajuda nesse sentido...

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    1. Eu entendo isso tudo, sou capaz de me colocar nos shoes de todas as partes envolvidas, entendo o apelo do dono e entendo a resposta das pessoas... mas faço uma outra análise à situação, que extrapola em muito a questão do cão. A questão aqui nem é o cão. Pelo cão foi feito tudo o que era possível fazer, existiu revolta e ela foi amplamente expressa. Falaram pelo cão e quem ouviu não foi misericordioso. Mas só se falou pelo cão. Não se falou por mais ninguém. E, para mim, esse é o grande problema.

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  3. Eu penso que se ouviu "mais" pelo cão justamente por se tratar de um ser que não se podia "defender" do que lhe destinaram...e alguém tinha de o fazer. Creio que se o fim que ele teve se estendesse também aos seres humanos haveria muito mais do que dezenas de pessoas a manifestar a sua revolta...mas foi só um cão. A questão aqui foi o que pareceu ter sido uma decisão quase automática de "Trata-se de animal, mata-se e pronto, quer tenha o virus quer não" e é isso que é discutível...

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    1. Hum... eu acho que as coisas são um pouco mais complicadas para serem, ou parecerem, assim tão simples. E dentro do Governo Espanhol de certeza absoluta que houve opiniões contrárias à tomada e que, em algum ponto, existiu consenso nesse sentido, o que significa que os especialistas foram ouvidos, os especialistas aconselharam e, mediante a informação disponível, alguém tomou uma decisão. Acho que, neste caso, não se abateu o animal apenas porque era um animal. Abateu-se o animal porque existia um risco que ninguém queria correr.

      Foi a decisão mais correcta? Haveria outro caminho a seguir? Poderemos passar o resto das nossas vidas a discutir o assunto e nunca chegaremos a um consenso. O cão não fala, é certo... por isso é que somos responsáveis pelo cão e respondemos pelo cão e tomamos decisões pelo cão. Umas vezes defendemos o cão, outras vezes temos que nos defender do cão. É complicado.

      Podia ter sido pior? Podia. Podia ter sido tudo uma grande mentira. As autoridades poderiam ter dito que iam colocar o cão de quarentena e abatê-lo sem ninguém saber. Optaram pela transparência porque a situação que estão a viver assim o exige.

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    2. E quanto aos seres humanos... também se abatem. E por razões menos importantes do que as da saúde...

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  4. Sim, talvez esteja a pensar de uma forma simplista e tenho noção que deverá ter havido uma discussão acerca do assunto, e até acredito que tenha sido uma decisão preventiva, pelo que está (estaria) em jogo- a saúde pública- mas mesmo assim penso que optaram pela decisão mais "fácil" ao nem darem uma oportunidade ao cão, percebes?
    Claro que isto agora é uma questão de opinião; é discutível e é complicado, sim...

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    1. Sim, eu entendo-te. Como entendo o dono do cão e o desespero que esteve associado ao apelo. Já não bastava ter a mulher doente, em risco de vida - como ainda está - e ainda lhe queriam matar o cão. Um homem fica rapidamente reduzido a nada... e sem ninguém...

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    2. Não imagino sequer o que seja estar no lugar de qualquer um deles... É mesmo horrível pensar que alguém está numa posição assim e não pode fazer absolutamente nada. Nada.

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